Mais de uma centena de especialistas portugueses e espanhóis vão estar reunidos durante esta semana na UAlg, entre 5 e 9 de Outubro, no âmbito do encontro VII REQUI ou Reunião do Quaternário Ibérico. O tema central do evento será o futuro do ambiente da Península Ibérica inferido a partir do passado geológico recente, com enfoque especial para os últimos 10 mil anos do Quaternário, que começou há 1,6 milhões de anos. O encontro é organizado pelo Centro de Investigação Marinha e Ambiental (CIMA) e decorrerá no anfiteatro Teresa Júdice Gamito, no
Campus de Gambelas da UAlg, incluindo dois dias de saídas técnicas na região.
Actualmente vivemos no Holocénico, como são conhecidos os últimos 10 mil anos da Era Quaternária da história da Terra. Há todavia opiniões de que na realidade, no presente, já entrámos no Antropocénico, período assim baptizado devido ao imenso impacte que a intervenção humana tem vindo a ter sobre o ambiente do planeta.
O Prof. Tomasz Boski, geólogo, coordenador do CIMA e presidente da comissão organizadora da Reunião do Quaternário Ibérico, que decorre na UAlg entre 5 e 9 de Outubro, é um dos especialistas na Era do Quaternário que defende esta hipótese: “A actividade humana tem provocando alterações ambientais de tal magnitude que superam frequentemente a variabilidade natural.”
Um exemplo do impacte mensurável da actividade humana são as variações do CO2 na atmosfera terrestre, que de forma natural oscilaram entre as 200 partes por milhão/volume (ppmv), há 15 mil anos, e as 280 ppmv há 5000 anos, estando estes valores provavelmente relacionados com a subida do nível dos oceanos: “quando o oceano avança retém nutrientes que suportam a fotossíntese marinha e quando há menos nutrientes haverá menos plâncton, logo menos CO2 é retirado da atmosfera”.
Neste momento, o teor de CO2 na atmosfera alcançou já as 385 ppmv. A diferença de cerca de 100 ppmv em relação ao máximo de variabilidade natural correspondente a 200 biliões de toneladas de carbono na atmosfera, que se devem “exclusivamente à actividade humana, que já alterou certos parâmetros do sistema atmosférico para além da sua variabilidade natural”.
Na VII REQUI, que terá lugar na UAlg na próxima semana e que reúne no Algarve os maiores especialistas em matéria do passado geológico recente da Península Ibérica, vão estar em debate esta e outras questões relacionadas com a história do clima da Terra e da Península, com uma atenção especial ao que se passa no Sul da região. “Será analisada a história recente da interacção entre o oceano e o continente, bem como as alterações do nível do mar, a evolução do clima reflectido na história da coberta vegetal do Sul da Península e ainda o condicionamento da ocupação humana do território pelos parâmetros climáticos” refere Tomasz Boski.
Como era o clima e como o descreviam os homens da época? Estudos realizados por investigadores da UAlg mostram que desde há 10 mil anos para cá muita coisa mudou no clima e na paisagem do Sul da Península Ibérica. As alterações mais significativas registadas pelos investigadores do CIMA aconteceram desde há cerca de 7 mil anos, quando o nível dos oceanos estabilizou, depois de ter subido 120 metros nos 9000 anos anteriores, a um ritmo de um metro por século, na sequência da fusão das calotas glaciares.
Mais ou menos na mesma altura os estuários dos rios Guadiana, Arade e Gilão/Almargem começaram a encher-se de sedimentos para formar deltas, e começaram também a formar-se os cordões arenosos que dariam origem às ilhas-barreiras, isolando parcialmente a Ria Formosa e permitindo que este sistema lagunar começasse nessa altura a funcionar como ecossistema individualizado.
Foi também há cerca de 7 mil anos, de acordo com a análise se pólenes levada a cabo pelo CIMA, que as densas florestas de carvalhos e pinheiros que cobriam a região começaram a desaparecer, passando a predominar uma vegetação mais rasteira, um processo que aconteceu em simultâneo com a ocupação humana do território.
Segundo Tomasz Boski, “as variações climáticas e ambientais no Sul da Península estiveram sempre dependentes, até à ocupação humana, do nível de precipitação”, ou seja, de chover mais ou menos.
Actualmente o CIMA está também a apostar numa outra vertente de investigação para melhor perceber os fenómenos climáticos do Algarve nos últimos 10 mil anos. “Queremos perceber se a nossa interpretação corresponde às descrições feitas pelos homens destas épocas passadas que estamos a estudar e cujo ambiente e paisagem estamos a tentar reconstituir”, esclarece Tomasz Boski.
Para atingir este objectivo, o centro de investigação optou nesta fase por avançar em duas direcções. Por um lado, tem já em curso um projecto de investigação que alia a interpretação de documentos históricos por parte de uma historiadora para, por comparação com os dados recolhidos através da análise dos pólenes, se perceber melhor como era o clima no Algarve há quatro ou cinco séculos e que alterações climáticas foram verificadas desde esse período até aos nossos dias.
Por outro lado, o CIMA estabeleceu uma parceria com o Prof. Nuno Bicho, arqueólogo e investigador da UAlg, igualmente com o objectivo de andar para trás no tempo através dos registos deixados pelos povos caçadores-recolectores que ocuparam a Península Ibérica para perceber se a paisagem por estes povos percepcionada corresponde ao que os pólenes fossilizados recolhidos pelos geólogos revelam.
Estuários são «arquivos» do Quaternário mais estudados no AlgarveEmbora morosos, os estudos paleoclimáticos, baseados no estudo da flora terrestre e marinha, fornecem muita informação. “No que toca ao passado recente do Sul da Península Ibérica, concretamente aos últimos 10 mil anos, estes estudos são escassos mas extremamente ricos, sendo que a informação que existe até ao momento foi recolhida através de amostras de menos de meia dúzia de localizações, sobretudo estuários de rios como o Guadiana e o Arade, no Algarve”, esclarece Tomasz Boski.
E embora os estuários dos rios, por serem muito dinâmicos, não sejam o melhor «arquivo» paleoclimático para analisar, são mesmo a melhor hipótese que os investigadores têm à mão no Sul da Península. “Não temos a sorte de ter lagos como a Europa do Norte, cujos fundos são muito pouco dinâmicos, quase não se alteram, o que preserva muito bem os sedimentos e os vestígios de plantas ali depositados há milhares e milhões de anos”, explica o geólogo.
Neste momento, a equipa do CIMA prepara-se para recorrer às naves, ou vales fechados, que existem no barrocal algarvio, um tipo de formação geológica que poderá fornecer amostras eventualmente mais bem preservadas de sedimentos dos últimos 10 mil anos. “Embora não sejam arquivos tão bons como os lagos, as naves podem ser locais interessantes para recolha de amostras que permitam fazer a identificação de pólenes e permitir assim o avanço do conhecimento sobre o clima do passado recente da Península Ibérica”, sublinha Tomasz Boski.
Aliança entre Portugal e Espanha crucial para reconstituir Quaternário Para o coordenador do CIMA, “a crescente importância socioeconómica e política que é atribuída às mudanças climáticas coloca desafios completamente novos aos quaternaristas, não só em termos do fornecimento e interpretação de dados do passado geológico recente, mas também ao nível da extrapolação para futuras tendências evolutivas”.
As tão procuradas previsões dos cenários ambientais futuros só podem ser conseguidas através da compreensão das relações entre os fenómenos actuantes à escala global, regional e local, o que exige a integração de informação de carácter multidisciplinar, daí a importância de cruzar informação com os especialistas que em Espanha se debruçam sobre a Era do Quaternário.
“O intercâmbio científico entre os quaternaristas de Portugal e de Espanha através das reuniões bianuais REQUI existe já há mais de vinte anos. Além de promover a discussão e a divulgação dos mais recentes desenvolvimentos do nosso conhecimento sobre a evolução recente do clima, das paisagens, dos ecossistemas e da adaptação do Homem a essas mudanças, o REQUI afirma a importância das línguas ibéricas como veículo de comunicação da ciência”, sublinha o responsável.
Este ano, o CIMA aceitou o desafio colocado pela Asociación Española de Estúdios Cuaternários e pelo Grupo de Trabalho Português para o Estudo de Quaternário para organizar a VII REQUI no Algarve, uma reunião que conta com o apoio das câmaras municipais de Faro, Tavira e Lagos e cujos principais objectivos serão contribuir para o reforço dos laços existentes entre as duas comunidades científicas e para a merecida posição de destaque que as ciências do Quaternário assumem no momento presente.
“Somente a análise rigorosa e conjunta dos registos climáticos contidos nos «arquivos geológicos» é capaz de fornecer uma apreciação segura das tendências evolutivas do clima terrestre”, frisa Tomasz Boski.
Mais informação sobre o VII REQUI disponível em http://cima.ualg.pt Contacto:Prof. Tomasz Boski – coordenador do CIMA
tboski@ualg.pt Saudações Académicas.
Fonte: Ualg