João Guerreiro foi reempossado como reitor da Universidade do Algarve no passado dia 16 de Dezembro.
Na primeira grande entrevista que deu depois de ter sido reeleito para o cargo, o responsável máximo pela universidade algarvia apresentou propostas para fazer face à situação financeira «complexa» da instituição e falou da estratégia que propõe para os próximos quatro anos.
João Guerreiro esteve no programa radiofónico «Impressões», dinamizado pelo «barlavento» e pela Rádio Universitária do Algarve RUA FM, numa entrevista que pode voltar a ser ouvida em www.ruafm.pt.
Impressões - Vai continuar mais quatro anos à frente dos destinos da Universidade do Algarve (UAlg). O que mudou em relação a 2006 e quais os grandes desafios deste novo mandato?
João Guerreiro - Há uma alteração radical no conjunto das instituições de ensino superior.
O anterior Governo fez um conjunto de alterações não só ao nível do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES), como também da acreditação dos cursos e instituições, bem como nas carreiras docentes.
Há um conjunto de mudanças que adoptámos nos últimos três anos e que fazem com que a universidade tenha uma nova dinâmica a partir de agora.
Julgo que muitas das alterações responderam positivamente àquilo que eram as exigências da universidade, como a maior participação de elementos externos, maior acreditação e regulação do sistema de ensino superior e maior dignificação das carreiras docentes.
Portanto, vamos ter um quadro diferente do que tínhamos até agora, com novos desafios, nomeadamente nos domínios do Processo de Bolonha, da internacionalização, da multiplicação de pós-graduações...são novos desafios que terão de ser bem identificados e bem conduzidos nos próximos quatro anos.
I - O financiamento do ensino superior é um tema quente de há anos a esta parte. A UAlg atravessa algumas dificuldades financeiras. Como se propõe a dar a volta à situação?
J.G. - Nós temos uma situação financeira complexa, mas é a situação do país, não é exclusiva da UAlg, embora nela se reflicta. Temos tido alguma dificuldade em novos projectos, novos investimentos, mas até agora temos conseguido equilibrar as finanças da Universidade.
Estas restrições afectam umas universidades portuguesas mais que as outras, mas, se consultarem os jornais pela Europa fora, verão que o problema também está lá presente.
Em 2010, o programa do Governo aponta para a celebração de contratos de confiança com as universidades e institutos politécnicos.
Já foram iniciadas negociações com o objectivo de criar contratos-programa, que definirão objectivos a atingir pelas instituições e o respectivo envelope financeiro que permitirá atingir essas metas e equilibrar as finanças das universidades. Julgo que, se a aposta do Governo for na ciência e na qualificação dos portugueses, tem que encontrar uma solução de forma a poder superar estas restrições financeiras, que são sobretudo do Orçamento de Estado. Nós cumprimos o nosso papel.
I - Dá ideia que esse bolo é sempre insuficiente e que se tem de recorrer às propinas dos alunos…
J.G. - O que está definido é que as propinas dos alunos têm de ser aplicadas na melhoria da qualidade do ensino.
Mas nós podemos entender que a melhoria da qualidade do ensino é a contratação de professores com nível elevado ou o desenvolvimento de projectos com fundos próprios da Universidade.
O decreto-lei também não obriga a que não sejam aplicadas em despesas correntes e há algumas que contribuem para a melhoria da qualidade do ensino. Estamos num meio que não é muito preciso.
Trata-se é de perceber onde o orçamento da Universidade é aplicado, algo que tem de ser aprovado pelo Conselho Geral. Gostaria de sublinhar que, do orçamento das universidades, apenas 60 por cento vem do Orçamento do Estado (OE), os restantes 40 por cento resultam de um esforço que a universidade faz em projectos de investigação, em propinas também e em serviços que presta.
É um nível muito elevado de auto-financiamento. O que eu defendo é que a comparticipação do OE passe de 60 para 70 por cento e que o nosso esforço passe para 30 por cento, que é uma situação bem mais equilibrada do que a que vivemos.
I - Há alguma ideia de onde se pode poupar e quais as receitas que ainda se podem garantir?
J.G. - Estão identificados esses problemas, mas não se conseguem resolver de um dia para o outro. Um exemplo é o das Cátedras convidadas.
Estamos a tentar estabelecer Cátedras convidadas com algumas empresas, que são pequenos orçamentos montados com contribuições em regime de mecenato e para as quais a Fundação para a Ciência e Tecnologia contribui com 25 por cento do bolo.
Isto permite contratar um professor com currículo denso, um professor sénior, que se estabeleça na universidade por três ou quatro anos, com um programa de trabalho e a possibilidade de contratar bolseiros.
Já conseguimos uma através da empresa Olderbrecht que financiou uma Cátedra sobre as relações entre Portugal e Brasil no domínio da História.
Temos previstas mais três, uma no turismo, outra nas ciências agrárias e outra no domínio das tecnologias de informação e o seu cruzamento com as ciências da comunicação.
Este esforço também poderá passar pela redução do número de licenciaturas, para abrir espaço à criação de pós-graduações que as substituam.
É preciso ver que as licenciaturas foram reduzidas de cinco para três anos, pelo que é natural que haja menos estudantes no 1º ciclo.
O que ainda não conseguimos foi aumentar o número de alunos em pós-graduação para fazer face à quebra nas licenciaturas e essa é também uma linha de desenvolvimento.
Os projectos de investigação são outra fonte de receita, nomeadamente os de nível europeu, que assentam em programas muito generosos e que permitem financiar a Universidade com dotações que superam em muito os financiamentos nacionais.
I - Ainda antes de ser reempossado, anunciou uma nova estratégia para o turismo. Em que consiste?
J.G. - No que respeita ao turismo, somos capazes de ser a universidade portuguesa com mais doutorados nesta área e eventualmente com a maior oferta de cursos.
Temos, talvez, mais de mil alunos, no conjunto da oferta. Tínhamos estas actividades um pouco descoordenadas.
Assim, vamos montar um programa de doutoramento, através da Faculdade de Economia, criar um centro de investigação que reagrupe todos os investigadores e docentes que trabalham nesta área do turismo e encontrar parcerias externas para ambos.
Também estamos a tentar dinamizar uma escola que criámos em parceria com o turismo de Portugal e o ISCTE no sentido de dar formação aos altos quadros do Turismo.
Contratámos ainda o professor americano Jafar Jafari, que é o editor de várias revistas de referência no domínio do turismo. Jafar Jafari vai ser o coordenador do comité científico do programa de doutoramento, que irá ser feito em conjunto com universidades das Baleares, da Noruega e Inglaterra.
Tudo aponta para que possamos apresentar este programa no mês de Março à União Europeia, na expectativa de que seja beneficiado com financiamento no âmbito do Erasmus Mundus.
Todos estes contactos externos, toda a selecção de convidados externos que virão oferecer seminários estão a ser feitos em conjunto com este professor, que é uma sumidade internacional e que abre a porta para que se possa ter colaborações interessantes e sólidas.
I - Referiu a questão da internacionalização no seu discurso de tomada de posse. Porque é tão importante e apontada como fundamental?
J.G.- Nós entrámos num processo de reestruturação do ensino superior, não só em Portugal, mas nos 49 países que aderiram ao Processo de Bolonha.
A partir desse momento, nós estamos a competir com universidades destes países.
O que isto significa é que qualquer aluno pode fazer parte do seu percurso numa universidade destes 49 países e ter a respectiva acreditação quando muda de instituição.
Desta forma, estamos a ser sistematicamente comparados com umas centenas de instituições de ensino superior por essa Europa fora.
Assim, interessa-nos não só fazer valer as nossas competências e as áreas científicas em que somos bons, mas também atrair estudantes de outros países.
Este aspecto do relacionamento externo é um elemento presente no mundo universitário europeu. Passa a ser uma norma, uma regra, quase um hábito de funcionamento esta relação entre as universidades. O que está por detrás disto é a internacionalização da actividade das universidades.
I - Quanto a Bolonha, continuam a haver queixas dos alunos devido às poucas opções ao nível da mobilidade interna. Para quando a agilização desta oferta?
J.G. - O que houve até agora foi a adequação das licenciaturas que tínhamos ao figurino de Bolonha. Mas este processo tem outras componentes, que passam pela relação aluno-docente, pelo esforço individual dos estudantes e pelas opções que podem seleccionar ao longo do seu percurso escolar.
Há um número apreciável de elementos que decorrem do Processo de Bolonha que não foram ainda totalmente adoptados pelas universidades, em geral, e pela UAlg, em particular.
No período que se avizinha, vamos ter a possibilidade de introduzir gradualmente essas alterações.
Não é um assunto que se faça num ano como foi a alteração curricular, demorará vários anos, porque os professores têm de mudar de hábitos e os alunos têm de perceber que têm de olhar mais para a componente de estudo, reflexão e trabalho individual e menos para as suas festas.
Enfim, tem que haver aqui uma alteração do comportamento da comunidade académica.
Impressões - A desactivação do campus da Penha tem dado muito que falar e voltou a estar na ordem do dia a partir do momento que o novo presidente da Câmara de Faro admitiu ser favorável à ideia. É medida para avançar nestes próximos quatro anos?
João Guerreiro - Nós defendemos que as faculdades e as escolas da UAlg estejam preferencialmente no mesmo espaço, de modo a que haja convívio e integração entre os estudantes de todos os graus e níveis de ensino e também do corpo docente. Até porque há professores que dão aulas no Politécnico e também na Universidade, o que os obriga a desmultiplicar-se.
O facto de estar tudo no mesmo local seria benéfico. Temos inclusivamente estudantes do campus de Saúde que tem lá aulas, na Penha e em Gambelas. Isso é uma disfunção grande da UAlg que temos de resolver.
Julgo que, dos dois grandes campi que temos, o de Gambelas é o que tem mais condições para receber a totalidade dos equipamentos, pois pode crescer. A Penha não, está refém do Complexo Desportivo e do imobiliário em seu redor.
Mas é uma questão sobretudo da cidade. Faro e a sua Câmara Municipal é que têm de estudar o assunto e propor uma solução.
I - Mas a Universidade também terá algo a dizer, até porque muitos dos edifícios da Penha estão a precisar de remodelação…
J.G. - Na Penha, há edifícios novos e velhos. Estes últimos obrigam ou a uma remodelação ou mesmo ao seu desmantelamento. Há necessidade de uma forte intervenção na Penha nos próximos quatro ou cinco anos.
Desmantelá-los podia ser uma solução. Caso se avance para uma solução de concentração nas Gambelas, é óbvio que os edifícios novos serão reformatados e utilizados para outros fins, designadamente públicos.
Os serviços municipais podem instalar-se ali. Temos uma biblioteca para onde a biblioteca municipal se pode estender, já que a Penha é uma área de expansão da cidade. Mas há coisas que são francamente más e que não faz qualquer sentido que existam.
A Câmara, com a Universidade, terá de definir um plano que terá de incluir, por exemplo, as novas acessibilidades a Gambelas. Não pode continuar a funcionar com os acessos labirínticos que tem e sem uma ciclovia autónoma das vias rodoviárias. Tudo tem de ser pensado, porque o que é certo é que Faro tem vivido de costas voltadas para a universidade.
Trata-se de recuperar tempo perdido e ver qual é o nosso papel no desenvolvimento da cidade, mas também do ponto de vista de Faro, quais são as medidas que pode tomar para valorizar a Universidade.
Eu tenho dito que a UAlg passará a ser reconhecida num espaço mais alargado pelas suas componentes científicas, mas também pela cidade onde está inserida e pela forma amigável e exigente com que recebe os estudantes e quem a visita.
I - Será neste mandato que, finalmente, se resolverá a questão do novo campus de Portimão?
J.G. - Esta questão avançou qualquer coisa no último ano. Agora, julgo que estão reunidas as condições para se analisar este projecto com mais detalhe.
Há cerca de 10 anos, comprámos um terreno por um preço simbólico à Câmara de Portimão e a ideia é que, nesse terreno, se possam construir uma Escola de Hotelaria e Turismo, uma escola secundária e os nossos edifícios.
Há um benefício mútuo que pode ser retirado do facto de haver três pólos diferentes no mesmo terreno. Há infra-estruturas que podem ser de utilização comum.
O Conselho Geral já se pronunciou sobre a questão em Julho passado, acordando repartir o terreno com as outras entidades.
Trata-se agora de fazer o projecto, encontrar fontes de financiamento e garantir que finalmente o campus de Portimão tenha condições adequadas. Julgo que quatro anos é um bom prazo para resolver o problema, senão na totalidade, pelos menos em 70 a 80 por cento.
Saudações Académicas.
Fonte: B.O.